quarta-feira, outubro 26

Viver ?


Ele já deveria imaginar que algo estava estranho quando passou em frente uma loja de brinquedos às 4 da manhã e viu pela vitrine escura uma hello kit de cabeça pra baixo, bizarro no mínimo né, Ele parou na padaria de costume, tomou não uma, mas duas xícaras de café puro, aquele que da angustia sabe, e seguiu em frente ao seu trabalho na funerária da cidade, pelo caminho ia pensado, em como aquela cidade é bonita em comparação ao lixo de bairro que mora.

Quero poupa-los dos detalhes do trabalho dele, apenas imaginem que em uma funerária não se faz um trabalho muito agradável, o cheiro de flores se confunde com o cheiro de morte, e de madeira, hora madeira boa, hora ruim, de acordo com o poder aquisitivo da família do morto, como trabalha em um setor digamos fechado, pode usufruir de seu antidepressivo, liquido durante todo o expediente, o deixando assim digamos mais próximo de ser um cliente do seu local de trabalho.

Seu dia não foi bom, mas nem um dia era ele chegou cedo, antes de seu horário, ficou sentado observando um corpo ser preparado e tomando mais café, ouvindo em seu celular uma banda de hard´rock, depois segui sua rotina, algodão, cadáver, pinga caixão, era isso, afinal não tinha estudo, foi obrigado a sobreviver, sem os pais, criado por um avo maldito que o obrigava a ser quem ele não queria seus 23 anos pareciam ter o peso de 80, e as marcas em sua pele denunciavam o uso de algumas substancias no fim de semana.

Ele saiu do trabalho, às 17hs, pensando em mudar de vida, estudar afinal, sou novo ainda, pensava ele, preciso parar de beber, de cheirar, preciso parar de ser esse ser maldito, não quero mais vestir morto o dia todo, não quero mais morar naquele lixo, não quero mais enfrentar esse trem cheio de pessoas infelizes, quero uma família, um lar ser alguém, fazer algo importante, e lá estava ele de novo passando em frente à loja de brinquedos, desta vez os brinquedos estavam arrumados, mas sua mente não estava, pensava muitas coisas ao mesmo tempo, uma mistura de vazio, interno, com uma esperança que parecia se diluir aos poucos, e ele seguiu até chegar a sua casa, tomou um banho e dormiu, sem comer.

Acordou de súbito às 2 da manhã suando, com calafrios pelo corpo, sentindo seu peito apertar, sua visão turva, parecia que algo estava crescendo em seu peito, uma dor que refletia nos braço, caminhou até a cozinha procurou um remédio, algo para aliviar aquilo, não achou nada, correu ao telefone, ligou pro resgate, e disse que estava se sentindo muito mal, passou o endereço, e caiu ao lado do telefone, quando o resgate chegou estava lá, apenas seu corpo, sua alma já não mais, agora sim, estava livre, não precisava mais ser escravo do seu trabalho, nem de sua miséria, nem de suas drogas, no dia seguinte não ia ter que enfrentar o trem lotado, nem si deprimir com a cara triste das pessoas, nem projetar futuro algum, pois isso cansa e nem sempre da certo.

Ele morreu? Isso é triste? O que é morrer? O que é triste, o que de fato faz sentido? Uma existência nula, ou uma desintegração do ser evitando assim anos de sofrimento? Bom não tem como responder, essa foi apenas uma estória fictícia de alguém que nunca existiu, mas se fosse real, também nunca teria existido, compreendeu?